segunda-feira, 20 de março de 2017

Miss Ever’s Boys


Deve-se subir até a próxima colina ?

          O filme “Miss Ever’s Boys” (intitulado em português como “Cobaias”), expõe o Caso Tuskegee, que ocorreu no Alabama, EUA, no período de 1932 a 1972, época em que a penicilina não havia sido descoberta.
          O filme é iniciado com um texto que resume o caso: o estudo visava descobrir se a sífilis era mais incidente em homens negros do que em brancos. Porém, como mostra a narrativa da personagem principal, a enfermeira Eunice Evers, não foi assim que se iniciou. Com a falta de recursos para dar continuidade a medicamentos e tratamentos ao grupo de pacientes de Tuskegee (área em que a população era predominantemente negra), médicos de Washington decidem “reabrir” o programa, mas com falsas intenções. Foi dito que inicialmente seriam ministrados aos pacientes medicações que não tratariam a patogenia, já que não haviam recursos, mas que isso traria de volta o apoio financeiro. Logo, havia uma previsão de que dentro de 6 meses a 1 ano, os homens que possuíam sífilis e faziam parte do programa teriam prioridade em receber o tratamento (que na época era a base de mercúrio).
          Um pouco antes do começo do estudo, Eunice se torna amiga de um grupo de músicos e dançarinos que também faziam parte do programa de tratamento para a sífilis. O título do filme, sensivelmente criado, vem do nome que esse grupo se nomeou: Miss Ever’s Boys, já que a enfermeira não só cuidava deles, mas como os levava para competições, criando assim um laço entre eles e principalmente, com Caleb, que viria a ser um ponto importante um pouco depois.
          O filme aborda não só questões éticas, mas como sociais e morais. É notável a todo momento que a área escolhida também possui um nível de pobreza bastante elevado, com demonstrações da população com dificuldades de se desprender da antiga vida de escravidão. Um médico que descreve aos pacientes, em momentos de descontração, suas noites em um club onde se apresentam artistas “de cor, mesmo que nesses clubes não são permitidos espectadores “de cor”. A dificuldade dos integrantes do grupo em pagar suas inscrições e formas de locomoção e um fator mais interessante: os diferentes modos escolhidos pela enfermeira para se comunicar com os homens infectados; a forma simplificada em suas palavras para não só facilitar o entendimento, mas com intenção de convencê-los a ouvir o que ela tem a dizer e aceitar suas sugestões.
          Dada a proposta do estudo, apesar de hesitar um pouco, Eunice acredita na palavra do médico que a informou sobre (além de oferecer o cargo de enfermeira chefe novamente, do qual ela havia sido demitida e trabalhava até então de empregada doméstica) e aceita participar do programa, recusando uma oportunidade que a tinham oferecido em outro local, influenciada também pelo laço criado com o grupo e com Caleb.
          Após o “prazo” de um ano se passar, nada acontece e Eunice permanece nessa esperança por mais alguns anos. Nesse espaço-tempo, um ponto importante: Caleb, com quem havia sacrificado o relacionamento pois não suportava a ideia de contar a ele a verdade sobre o programa (inclusive por ele ser um dos integrantes), se alista no exército e volta trazendo uma notícia crucial: foi medicado com penicilina, recentemente descoberta e aprovada para uso em portadores da sífilis, e então havia sido curado rapidamente. Eunice se espanta com a descoberta e questiona os médicos, que por sua vez justificam o não-uso do antimicrobiano devido a possibilidade de “forte reação” a medicação, levando a morte do paciente, justifica essa que acaba por convencer a enfermeira. É importante ressaltar que o filme se passa em flashbacks. A enfermeira, passado os 40 anos do caso, está sendo interrogada pela corte americana e conta toda sua história e envolvimento no Caso Tuskegee.
          Dado certo momento da situação, Eunice descobre que aqueles “voluntários” do programa nunca serão medicados, pois a verdadeira intenção com o estudo é chegar a fase da autópsia, não passando de uma observação lenta e dolorosa do paciente enquanto a doença o consome de forma cruel. Neste momento, temos outro ponto importante: o médico negro, que trabalhava com Eunice desde a época em que havia um tratamento real, justifica a necessidade daquele experimento com a importância de provar que negros e brancos reagem da mesma forma à sífilis. Porém, na corte americana, o senador que interroga Eunice, ao ouvir essa justificativa, devolve instantaneamente: se aqueles homens, mais de 200 dos 400 que iniciaram o estudo fossem brancos, teriam sido submetidos à aquela experimentação e fadados a morte numa falsa esperança de se curar? É o único momento em que a enfermeira expressa indignação e responde que não, que jamais o haviam sido negligenciados se os mesmos não fossem negros.
         De certa forma, a enfermeira mostra-se “satisfeita” e em paz com seu dever e juramento de enfermeira, mas o filme nos leva a questionar se por vezes, quando somos profissionais mesmo que de saúde, não nos esquecemos do lado humano da situação, oferecendo talvez, a coisa justa dada a conjuntura mas não o que o paciente realmente precisa.

Título em português: Cobaias


Responsável pela publicação: Grupo 13 (Amanda Silva Montero)

6 comentários:

  1. Não podemos deixar de lembrar que o pensamento em 1932 era o de soberania branca, mesmo tendo os Estados Unidos terminado com sua história de escravidão em 1863 com a abolição. E por isso a necessidade de usar médico e enfermeira negros para convencimento da participação. As leis e "normas" dessa época ainda não cabiam aos negros,a pobres e indigentes. Isso se afirma quando levamos em consideração o tempo que se levou o estudo, o tempo que foram esquecidos.
    O peculiar dessa história foi o comprometimento da enfermeira que ficou ao lado dos seus pacientes e respondeu por seus atos até o fim de sua vida.

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  2. Uma ótima escolha de postagem! Já está na lista do fim de semana rs. Ao ler a sinopse percebe-se que a ética e temas sociais como desigualdade racial são temas presentes na história.O filme nos mostra o quanto o interesse minoritário da sociedade pode está acima do respeito, humanidade e até do direito à vida.Outro grande questionamento a ser feito e discutido com o filme é levantado no texto, a enfermeira frente às demandas impostas e o ato técnico que em muitos casos como estes elimina a dignidade ética, humanidade.

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Já com a leitura da sinopse trazida por Amanda, evidencia-se que o filme traz aspectos muito importantes como a ética, as práticas de cuidado e remete a história de segregação sofrida pelos negros nos EUA. É importante termos em nossa mente a época em que se passa o filme, mas é notável que a cultura de segregação persiste até hoje nos EUA, prova disso são o número incontestável de negros mortos por policiais. E também um ponto muito interessante que me fez refletir é como as demandas impostas interferem no nosso tratamento ao paciente. Infelizmente somos obrigados a nos enquadrar em certos paradigmas para poder atuar, ou então não somos aceitos no mercado de trabalho. E também o que me chamou atenção foi a Enfermeira está sob julgamento e não o médico, demonstrando assim como nossa profissão está a margem. Um filme atual!

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  5. Ótima sugestão!! Estamos vivenciando uma epidemia de Sífilis, e através do filme é uma forma de discutir esse assunto que está tão atual. Além dos aspectos éticos e das praticas de cuidados.

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  6. Por se tratar de uma produção cinematográfica a história é desenvolvida com um fundo romântico. Mas, algumas reflexões podem ser tiradas desse filme.
    Sinceramente, não concordo que a conduta da enfermeira é a mais adequada. A proximidade dela com os pacientes ultrapassam o limite do profissional. Acredito que deve ser usada uma abordagem humanística no tratamento ao outro, mas isso não significa em uma intimidade de laços pessoais fortes.
    Outro ponto, é a cautela que devemos ter ao aceitarmos uma função. Precisamos analisar com detalhes o que está nos sendo proposto. Temos o direito de escolha e a alegação de que não sabíamos o que estava por trás não retirará a nossa culpa.
    Por fim, a outra análise realizada é sobre a ética da pesquisa. Esse é o ponto principal do filme. A Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos estipula a necessidade de pesquisas e desenvolvimentos ocorrerem conforme os princípios éticos dispostos nesta Declaração e respeitarem a dignidade humana, os direitos humanos e as liberdades fundamentais. No caso desse estudo da sífilis, vários aspectos foram descumpridos, tais como: o respeito a dignidade e direitos humanos; o acesso igualitário aos desenvolvimentos médicos, científicos e tecnológicos; priorizar os interesses e bem-estar do indivíduo em detrimento do interesse exclusivo da ciência ou da sociedade; ter mais benefícios do que danos, para justificar a realização do estudo; o respeito a vulnerabilidade humana e a integridade individual, haja vista que o grupo em que a pesquisa foi realizada era um grupo em baixas ou nenhumas condições de defesa; Igualdade, Justiça e Equidade para todos os seres humanos; a não-discriminação e a não-estigmatização dos sujeitos; a responsabilidade social e da saúde, ou seja priorizar sempre esses aspectos na pesquisa; e a avaliação e gerenciamento de riscos, para que possam ser reduzidos ao máximo possível para que a pesquisa seja viável.

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