Entrevista com Mary Lucia Galvão, Enfermeira Obstetra de
formação e parteira de coração, docente do curso de enfermagem da UNEB e
ativista da Humanização.
Como se deu a sua trajetória profissional enquanto
enfermeira obstetra?
Minha trajetória profissional se deu de uma forma muito
direcionada para área da saúde da mulher desde o início da minha formação. Logo
após a formação, eu escolhi trabalhar em uma maternidade pública no interior da
Bahia e descobri de uma forma singular, que eu me encaixava muito bem no
cuidado à mulher, e só muito mais tarde percebi o porquê que eu escolhi a obstetrícia.
Logo quando comecei, foi de forma muito intuitiva e amorosa, me senti seduzida
pela assistência à saúde da mulher, antes de fazer a especialização. Primeiro
fui trabalhar na maternidade apenas com a graduação e habilitação em obstetrícia
e após 3 anos de assistência na clínica de saúde da mulher, resolvi buscar uma especialização,
fui para São Paulo e fiz especialização e mestrado em obstetrícia. Mas o que
fechou de forma bem impactante a minha área na obstetrícia, foi um estágio que
fiz com uma parteira alemã, o que mudou totalmente o meu foco, a minha
identidade profissional. Foi um estágio numa ONG chamada Monte Azul, em que a
parteira trabalhava em outro modelo diferente do qual eu já tinha aprendido
durante a especialização na Escola Paulista de Medicina. Quando eu comecei a
fazer o estágio com essa parteira, percebi que existia uma incoerência entre a
minha forma de cuidar e a forma dela de assistir e cuidar da mulher, e logo
identifiquei que estávamos trabalhando com a mesma temática, saúde da mulher,
pré-natal, parto e ginecologia, mas de forma muito distinta. Então, ela me
chamou para conversar e explicou que eu estava fazendo o modelo antigo, que era
o modelo tecnocrático, e ela já trabalhava no modelo holístico. E foi ali que
minha formação se completou, digamos assim, a minha área de especialidade ficou
bem sedimentada a partir do conhecimento de outros modelos de assistência.
Portanto, minha trajetória profissional começou primeiro na assistência, depois
fiz a especialização, posteriormente esse estágio complementar, o mestrado, à
docência e eu fui me aperfeiçoando. E principalmente o que me dá hoje mais
segurança nessa área de especialidade, é a experiência acumulada durante esses
35 anos de prática em obstetrícia. Eu tenho 35 anos de formada, e desses, 32
anos com parto e 20 com parto domiciliar. Sou enfermeira na área de saúde da
mulher com foco na assistência ao parto humanizado e sou de certa forma, uma
ativista dessa causa, porque represento o ReHuNa, Rede pela Humanização do
Parto e Nascimento. E também porque atuo no ministério nessa área de
assistência ao parto em zonas rurais, capacitando parteiras tradicionais que
acumulam saberes, não capacitando na verdade, trocando saberes, e venho fazendo
isso de uma forma cada vez mais prazerosa. Foi assim que eu percorri minha
trajetória profissional, comecei no interior da Bahia, depois fui para São
Paulo, lá trabalhei por 10 anos em maternidades públicas e privadas fazendo
assistência direta ao parto normal, voltei para Bahia em 1999 e agora estou na
área de assistência a clínica e na docência.
Na sua opinião, nos últimos anos, tem ocorrido alguma
mudança nas práticas obstétricas no Brasil?
Sim, mudanças significativas. E alguns elementos para
ilustrar essas mudanças são legislações totalmente novas, a exemplo da lei do
acompanhante que desde 2005 é lei em todo território nacional. As políticas públicas
de assistência ao parto, as campanhas de incentivo ao parto normal, os
programas, como a rede cegonha, o foco na assistência a partir de Centros de
Parto Normais, os CPNs e o financiamento e apoio a cursos de enfermagem
obstétrica em todo brasil. O ministério fez isso de 1999 a 2005 e eu coordenei
3 desses cursos todos promovidos e financiados pelo governo, em parceria com as
universidades, em que formei 85 enfermeiras obstétricas. Esses inúmeros cursos
de capacitação que foram financiados pelo ministério, serviram para mudanças de
modelos assistenciais em maternidades públicas, a exemplo do que está
acontecendo no Sofia Feldman em Belo Horizonte, onde a enfermeira obstétrica é
responsável pelo parto humanizado, apresentando dados epidemiológicos muito
interessantes. Uma última pesquisa no Brasil traz dados muito significativos
sobre as mudanças obstétricas a partir do ano de 2000. Simone Diniz também tem
um artigo muito bom que fala sobre a história da humanização do parto no
Brasil, e nele aponta inúmeros avanços desde a presença da enfermeira
obstétrica na cena do parto, bem como o incentivo às boas práticas médicas
baseada em evidências e traz também todos os manuais do ministério, como o
Humaniza SUS. Até a mídia contribuiu muito, nós temos agora programas
direcionados para esse novo modelo de assistência, como por exemplo no canal
GNT o programa Boas Vindas, que aparece muita coisa esdrúxula, diria, como se
fizesse parte da humanização do parto, mas ainda assim, com os furos que o
programa apresenta, é uma forma de ampliar o debate sobre essa nova forma de
nascer no Brasil. Tem também o prêmio Galba de Araújo, que da década de 90 até
2008, deu incentivo a maternidade segura, que era um incentivo não só por
título, mas também financeiro para maternidade que conseguia dar os 10 passos para
a humanização. Esses são dados importantes dessa mudança que vem acontecendo no
Brasil, desde a década de 90, com mais ênfase agora nessa última década. E
interessante que hoje, exatamente hoje, saiu uma nova legislação no ministério
para identificar e ressaltar as violências obstétricas. Isso é muito bom, muito
interessante, é isso que eu vejo como avanço em obstetrícia.
Link do artigo de Simone Diniz
Responsável pela publicação: Grupo 10 (Fernanda Figueiredo, Juliana
Lima e Sofia Camargo).
Ótima entrevista! Nesse breve relato, podemos notar a feliz notícia que o Brasil vem desenvolvendo políticas públicas que buscam a humanização do parto, tentando reduzir a medicalização que torna o parto um procedimento hospitalar, trazendo o incentivo ao parto normal e leis como a da presença de acompanhante que é de extrema importância para a mulher.
ResponderExcluirÓtima entrevista! Nesse breve relato, podemos notar a feliz notícia que o Brasil vem desenvolvendo políticas públicas que buscam a humanização do parto, tentando reduzir a medicalização que torna o parto um procedimento hospitalar, trazendo o incentivo ao parto normal e leis como a da presença de acompanhante que é de extrema importância para a mulher.
ResponderExcluirMe identifiquei com o relato dela, pois tenho uma forte inclinação para a obstetrícia. E fiquei feliz por saber que existe pessoas como ela lutando por um tratamento humanizado no momento em que a mulher está mais vulnerável. Por vezes a hora do parto fica marcada na vida da mulher como algo traumático, e é por causa de disso que precisamos de mais pessoas como Mary Lucia que lutam por uma saúde mais digna.
ResponderExcluirExecelente entrevista! É muito bom ver a experiencia de mulheres como ela, isso nos da mais vontade de seguir em frente. Outra coisa super importante é ver o que o parto humanizado tem tido um grande progresso aqui no Brasil.
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